| Imagem Ilustrativa |
O desejo, o escândalo e o espelho da alma
Faz algum tempo que eu não escrevia aqui no blog.
Talvez porque, em alguns períodos da vida, a gente precise mais ouvir do que falar.
Mas confesso que esse silêncio foi interrompido nos últimos dias, depois que vi o vídeo que circulou nas redes sociais mostrando um padre sendo flagrado com a noiva de um fiel, em Mato Grosso.
Não por curiosidade, mas porque esse episódio que muitos trataram como fofoca, revela algo muito mais profundo sobre o ser humano.
Como psicanalista, não me interessa o julgamento, mas o sentido do ato.
E por trás desse escândalo há uma verdade psíquica que todos preferimos ignorar:
O desejo não se cala com a religião, com o casamento ou com o moralismo.
Ele apenas se esconde e, cedo ou tarde, retorna.
O desejo e a proibição
Na psicanálise, o desejo é movido justamente pelo que é proibido.
Aquilo que a lei ou a moral tentam reprimir se torna, paradoxalmente, ainda mais atraente.
O padre, nesse caso, representa o homem que fez um pacto com a renúncia: abrir mão do prazer em nome da fé.
Mas o inconsciente não obedece às regras da Igreja.
Quando o desejo é recalcado por muito tempo, ele busca brechas para emergir.
Às vezes aparece em sonhos, lapsos, palavras, outras vezes em atos que desafiam o próprio ideal.
É o que Freud chamava de retorno do recalcado.
Quanto maior a repressão, mais intensa se torna a pulsão.
A noiva do fiel, então, assume o lugar simbólico do objeto proibido, e o interdito acende o fogo da transgressão.
Não é amor a força do desejo tentando existir onde não deveria.
O escândalo e o prazer social
Mas o que talvez seja ainda mais revelador do que o ato em si, é o prazer coletivo em condená-lo.
As pessoas compartilham, riem, zombam, fazem memes, apontam o dedo.
É o gozo social de ver o outro cair.
Lacan chamaria isso de jouissance, isto é, o prazer que o sujeito tira da dor ou da queda do outro.
A sociedade adora ver o “santo” pecar, porque isso alivia sua própria culpa.
É como se, ao expor o padre, todos pudessem dizer:
“Está vendo? Ele também é humano.”
O escândalo funciona como uma purificação coletiva.
A culpa do outro limpa a minha.
E, inconscientemente, sentimos prazer em participar do julgamento.
A vergonha e o olhar do Outro
No vídeo que circula pela internet, a mulher aparece escondida, chorando.
Essa imagem carrega mais verdade do que qualquer comentário.
A vergonha é o afeto que nasce do olhar do Outro, não quando fazemos algo errado, mas quando somos vistos.
Ser flagrado é ser arrancado da máscara social, é ver o próprio desejo exposto à luz.
A vergonha mostra o conflito entre o que queremos e o que acreditamos dever ser.
É o preço psíquico de quem desejou e, de repente, se vê como pecador diante dos olhos do mundo.
O noivo e o narcisismo ferido
Para o noivo, o episódio toca uma ferida que vai além da traição: o narcisismo.
Ser traído por um padre é, simbolicamente, ver o próprio valor desmoronar.
É sentir-se humilhado não apenas como homem, mas como imagem.
A invasão da casa paroquial, filmando tudo, é a tentativa desesperada de reconstruir a dignidade ferida.
É o ego tentando se proteger do olhar zombeteiro dos outros.
Freud já dizia que o amor e o narcisismo estão profundamente entrelaçados.
Quando amamos, colocamos uma parte de nós no outro.
E quando somos traídos, é essa parte de nós que parece ter sido rejeitada.
O padre e o conflito entre o ideal e o desejo
No centro de tudo, há um homem dividido.
De um lado, o padre, representante do ideal, do sagrado, do renunciado.
De outro, o sujeito humano, atravessado por desejos, carências e afetos.
É a eterna luta entre o ideal do eu e o eu desejante.
O problema não é sentir desejo isso é humano.
O problema é negar o desejo, tentar eliminá-lo em nome da pureza.
Porque o que é negado não desaparece: ele apenas se disfarça de sintoma.
E nós, onde estamos nessa história?
Talvez o que mais incomode nesse caso não seja o ato, mas o espelho que ele nos oferece.
Todos nós, em alguma medida, vivemos essa tensão entre o ideal e o desejo.
Queremos ser bons, fiéis, corretos, mas dentro de nós habita algo que escapa ao controle.
E quando vemos o outro cair, projetamos nele a nossa própria sombra.
A psicanálise nos ensina que o pecado não é o desejo.
O pecado é não escutá-lo, é fingir que ele não existe.
O desejo reprimido não morre, ele apenas espera o momento de se vingar.
O caso do padre, da noiva e do noivo é mais do que um escândalo, é um retrato da condição humana.
Mostra que somos feitos de contradições, e que o inconsciente não se curva à moral.
Por trás das batinas, das alianças e das aparências, há sempre um sujeito em conflito com aquilo que sente.
Talvez a maior lição disso tudo seja lembrar que ninguém está livre do próprio inconsciente.
E que, no fim, o desejo sempre encontrará um jeito de falar.