Carta da leitora
"No momento mais importante da minha vida, quando eu deveria sentir apoio e amor, vivi uma das maiores traições. Durante o parto do meu bebê, meu marido estava comigo como acompanhante. Eu acreditava que estávamos vivendo juntos um marco da nossa história. Mas, dias depois, descobri que ele se envolveu com uma enfermeira do hospital, justamente enquanto eu estava vulnerável, trazendo nosso filho ao mundo.
Não fui eu quem descobriu por acaso, foi a própria enfermeira que me procurou e contou. Disse que ele a procurou e que tiveram momentos juntos durante a minha internação. Desde então, me sinto despedaçada. Não consigo olhar para ele sem pensar nisso. Não sei se o que sinto é raiva, desprezo, ou um vazio tão grande que me tira as forças.
Eu olho para o meu bebê e penso que ele merece um lar seguro, mas ao mesmo tempo me sinto enganada no instante em que mais precisei de cuidado. Será que algum dia vou conseguir superar essa dor? Será que estou condenada a viver com essa ferida aberta?"
Comentário com olhar psicanalítico
A traição vivida aqui carrega um peso simbólico que vai muito além do relacionamento conjugal. O parto é um momento de extrema vulnerabilidade física e psíquica. A mulher, ao dar à luz, revive em certo nível a própria experiência do desamparo, quando também precisou ser cuidada e amparada. Nesse instante, a presença do companheiro representa não apenas apoio afetivo, mas uma confirmação do valor daquela experiência de nascimento.
Quando o marido rompe esse pacto de confiança, não se trata apenas de uma infidelidade. Ele abandona simbolicamente o lugar de testemunha e protetor, deixando um vazio difícil de elaborar. A revelação feita pela enfermeira intensifica ainda mais a dor, pois coloca a mulher diante da verdade de forma crua, sem mediações, expondo-a também à humilhação.
Do ponto de vista do inconsciente, essa situação toca diretamente a confiança primordial: aquela que todos precisamos para existir no mundo. Ao ser traída justamente nesse momento, a ferida ultrapassa a conjugalidade e atinge a base da confiança na vida.
O caminho de elaboração não é simples. A psicanálise pode ajudar justamente a transformar essa experiência em narrativa, dando um lugar simbólico para a dor. Não se trata de esquecer ou apagar o ocorrido, mas de ressignificá-lo. Quando a mulher consegue nomear sua raiva, seu vazio e sua sensação de abandono, ela recupera sua posição de sujeito desejante e deixa de ser apenas vítima da ferida.
Superar não significa necessariamente perdoar ou seguir junto, mas sim reconstruir-se para não viver aprisionada ao trauma. Esse é o movimento que pode devolver à mãe e à mulher a possibilidade de desejar e confiar novamente, em si mesma e na vida.
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