Descubra como a adultização infantil afeta o desenvolvimento emocional, por que expor crianças na internet é perigoso e como a psicanálise ajuda na proteção da infância.
Nos últimos anos, a exposição de crianças nas redes sociais cresceu em ritmo acelerado. O fenômeno, muitas vezes tratado como “fofo” ou “engraçado”, vem carregado de riscos profundos, que vão muito além do que se vê na tela. Um caso recente trouxe o assunto para o centro do debate: o criador de conteúdo Felca expôs a problemática da adultização infantil e processou mais de 200 perfis que o acusaram injustamente de crimes graves, transformando o episódio em uma oportunidade de conscientização sobre a proteção da infância.
Neste artigo, vamos analisar o tema à luz da psicanálise, mostrando como a exposição precoce pode afetar o desenvolvimento psíquico da criança, e por que os adultos precisam buscar ajuda para lidar com suas próprias questões antes de projetá-las nos filhos.
O que é adultização infantil?
A adultização acontece quando comportamentos, falas ou posturas tipicamente adultas são incentivadas, imitadas ou impostas a crianças, muitas vezes para entretenimento de terceiros. Isso inclui desde roupas e danças sexualizadas até a participação em conteúdos que envolvem temas para os quais a criança não tem maturidade emocional.
Do ponto de vista psicanalítico, esse processo antecipa etapas do desenvolvimento psicossexual, desorganizando a forma natural com que a criança constrói sua identidade. Freud já apontava que cada fase do desenvolvimento infantil precisa de tempo e ambiente seguro para que o ego se fortaleça. Quando há aceleração ou invasão desse espaço, surgem marcas inconscientes que podem se manifestar na vida adulta como insegurança, ansiedade, dificuldades nos relacionamentos e sintomas depressivos.
O impacto psíquico da exposição nas redes
Na psicanálise, sabemos que a criança constrói sua percepção de si a partir do olhar do outro, especialmente o olhar dos cuidadores. Quando essa criança passa a ser vista e avaliada por milhares ou milhões de desconhecidos, esse “olhar do outro” se torna massivo, impessoal e, muitas vezes, violento. A internet não filtra comentários, críticas e julgamentos, e o que para o adulto já é difícil, para a criança pode ser devastador.
Além disso, há o risco concreto da atração de pessoas com intenções criminosas, algo que Felca destacou com firmeza ao comentar sobre a adultização no caso que viralizou. A psicanálise não ignora essa dimensão: todo ato de exposição da criança deve ser pensado considerando também a pulsão e a perversão presentes no inconsciente social.
A responsabilidade do adulto: cuidar para não projetar
Muitas vezes, os pais ou responsáveis que expõem as crianças precocemente não percebem que estão projetando nelas desejos ou frustrações não elaboradas. Winnicott enfatizava que a função do adulto é sustentar um ambiente suficientemente bom, onde a criança possa brincar, experimentar e crescer sem que suas etapas sejam invadidas.
Projetar expectativas adultas em uma criança é, de certa forma, usar o filho como um “objeto” de satisfação psíquica, algo que pode ser evitado quando o adulto busca autoconhecimento e, se necessário, ajuda terapêutica. É nesse ponto que a psicanálise se torna ferramenta não apenas de cura, mas também de prevenção.
A importância de buscar ajuda
Cuidar da saúde emocional da criança começa pelo cuidado com a própria saúde mental do adulto. Um pai ou mãe que reconhece seus próprios limites, fragilidades e traumas, está mais preparado para proteger o filho de exposições indevidas. A psicanálise oferece um espaço seguro para que o adulto compreenda suas motivações inconscientes, evitando que decisões prejudiciais sejam tomadas de forma impulsiva ou inconsciente.
Felca e a lição sobre reparação e ética
Ao processar perfis que o difamaram, Felca abriu a possibilidade de acordo com uma proposta que une reparação simbólica e compromisso ético: doações para instituições que protegem crianças e retratação pública. O gesto aponta para algo que também é fundamental na psicanálise: reconhecer o erro, reparar o dano e criar condições para que ele não se repita.
A adultização infantil é um problema real, com consequências que vão muito além de modas ou “memes” de internet. Ela envolve questões éticas, sociais e profundas marcas psíquicas. Pais, cuidadores e criadores de conteúdo precisam compreender que cada etapa da infância é insubstituível e que acelerar esse processo é colocar em risco a integridade emocional e física da criança.
Proteger a criança é, antes de tudo, proteger seu tempo, seu corpo e seu espaço de experimentação no mundo. E isso começa quando o adulto olha para si mesmo e se responsabiliza pelo impacto de suas escolhas.
