Raiva retroativa: por que lembrar do passado ainda nos machuca?

 


Você já se pegou lembrando de uma situação antiga que te deixou com raiva... e de repente começou a sentir tudo de novo? Como se aquilo estivesse acontecendo agora, mesmo que já tenha se passado anos?

Isso é mais comum do que parece. Muitas pessoas relatam essa chamada raiva retroativa. Um sentimento que se reativa ao lembrar de algo mal resolvido do passado. E o mais curioso: muitas vezes sabemos que não faz sentido se irritar novamente, mas o corpo e a mente reagem como se fosse inevitável.

Na psicanálise, olhamos para isso com atenção. Essas reações não surgem à toa. Elas são sinais de algo que ainda não foi simbolizado, ou seja, ainda não foi elaborado internamente.

O que está por trás da raiva retroativa?

Para Freud, nada daquilo que sentimos é aleatório. Quando uma lembrança traz de volta um afeto intenso, como raiva ou mágoa, é porque algo nela continua vivo dentro de nós. Mesmo que a situação tenha passado, o conflito psíquico permanece.

O que isso significa?

Significa que, provavelmente, naquela experiência do passado, você não teve espaço para expressar o que realmente sentia. Talvez tenha engolido o choro, o grito ou a frustração. E agora, ao lembrar, tudo isso volta à tona porque ainda precisa ser escutado por você mesmo.

Lacan nos ajuda a pensar que o sujeito é dividido. Nem sempre sabemos tudo o que sentimos ou desejamos. A raiva que retorna pode ser a voz de um eu calado, que pede reconhecimento.

Por que me irrito de novo se “já passou”?

Porque dentro da psique, nem tudo obedece ao tempo cronológico. A mente funciona por outra lógica, mais próxima da repetição do que da linearidade. O inconsciente guarda experiências, afetos e traumas como se fossem cenas congeladas. E essas cenas podem se repetir em forma de lembranças, sonhos, comportamentos ou explosões emocionais.

Por isso, quando você se irrita ao lembrar de algo antigo, não é “frescura” nem exagero. É sinal de que aquela ferida não cicatrizou direito.

Como transformar essa raiva em algo produtivo?

Aqui vão alguns caminhos com base na escuta psicanalítica:

Pare de se julgar por sentir

Dizer para si mesmo que “não deveria sentir isso” só reforça a repressão. Acolha o que vem. Pergunte-se com sinceridade: o que essa raiva está tentando me mostrar?

Escreva sobre o que sentiu

Uma boa prática é escrever cartas (que você pode ou não enviar) para a pessoa que esteve envolvida na situação. Escrever ajuda a simbolizar. Dar palavras ao que antes era só um nó.

Fale sobre isso com alguém que escute de verdade

A raiva retroativa muitas vezes carrega um grito de desamparo. Ser escutado com atenção pode ser libertador. A análise oferece esse espaço, onde você pode ir descobrindo aos poucos o sentido do que sente.

Observe os padrões que se repetem

Em que outras situações você sente esse mesmo tipo de raiva? Às vezes ela aponta para algo mais profundo, como a sensação de injustiça, abandono ou impotência.

Entenda que lembrar não é reviver

A lembrança pode ser uma oportunidade de ressignificação. Ao trazer a memória para a consciência, você pode enxergar a cena com outros olhos. Talvez hoje, mais maduro, consiga dar um novo significado àquilo que antes só doía.

Quando buscar ajuda profissional?

Se essas lembranças são muito frequentes, te paralisam ou atrapalham seus relacionamentos, pode ser hora de procurar um psicanalista. A análise não promete apagar o passado, mas ajuda a transformar o modo como você se relaciona com ele.

Sentir raiva de novo não é fraqueza. É um convite da sua história pedindo para ser olhada com mais carinho.

Se você sente que ninguém te entende, que essas memórias continuam voltando com força, saiba que há espaço para isso ser dito e ouvido. No divã, o passado deixa de ser um peso e pode se tornar um ponto de virada.

Sinta-se à vontade para compartilhar sua história. Seu desabafo pode ser o começo de uma nova narrativa.

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