Por que é tão difícil dizer NÃO? O desejo de não frustrar o Outro

 


Você já se pegou dizendo "sim" quando tudo dentro de você queria gritar "não"? Aceitando convites, tarefas, favores, compromissos que te sufocam? Mesmo sabendo que depois vem o arrependimento, a frustração, e até uma raiva que nem sempre você sabe nomear.

Esse comportamento, embora comum, carrega camadas profundas que vão muito além da simples dificuldade de impor limites. Ele fala de um sujeito dividido, que teme o confronto, a rejeição, o abandono e que muitas vezes prefere se abandonar a ter que frustrar o outro.

Neste artigo, quero te convidar a olhar com mais profundidade para esse “sim” que custa caro demais.


O “não” que fere, o “sim” que adoece

Dizer “não” pode parecer um ato de violência para muitas pessoas. Não por ser de fato violento, mas porque, inconscientemente, elas carregam a ideia de que negar algo ao outro é ser egoísta, ingrato, ou mesmo mau.

Isso se estrutura desde a infância, onde o amor e a aceitação estavam, ou pareciam estar, condicionados ao bom comportamento, à obediência, ao “não dar trabalho”.

Assim, o sujeito aprende cedo a agradar. A colocar o desejo do outro acima do seu. A ser o que esperam que ele seja, não quem ele realmente é.


O fantasma do desamparo

Na psicanálise, entendemos que esse comportamento está ligado ao medo do desamparo: a sensação primitiva de que, se eu decepcionar o outro, posso ser deixado, rejeitado, excluído. Como se um simples “não posso” fosse suficiente para romper laços afetivos.

Essa angústia não é racional, ela é estruturante. Está inscrita na nossa formação psíquica. O sujeito teme ser punido por se colocar, por se escolher, por se proteger. E, nesse medo, ele se trai. Aceita o que não quer, se sobrecarrega, adoece.


O desejo do Outro

Lacan nos ajuda a entender esse movimento ao falar sobre o desejo do Outro (com O maiúsculo). Para ele, o sujeito está sempre tentando decifrar e corresponder ao desejo daquele que o constitui os pais, os educadores, a sociedade.

Quando dizemos “sim” sem querer, muitas vezes estamos respondendo ao que achamos que o Outro espera de nós. E assim nos alienamos: deixamos de ouvir nosso próprio desejo para sustentar uma imagem ideal de aceitação e valor.


O preço do não-dito

O problema é que o “sim” forçado cobra um preço alto. Ele gera ressentimento, culpa, exaustão. A conta chega em forma de ansiedade, insônia, irritação crônica, baixa autoestima. O sujeito começa a se sentir usado, mas não sabe que é ele mesmo quem se oferece o tempo todo.

Dizer "sim" constantemente, quando se quer dizer "não", é uma forma de abandono de si. Um tipo de auto traição silenciosa que vai corroendo a integridade subjetiva.


Aprender a se sustentar no próprio desejo

Romper com esse ciclo não é simples. Não se trata de aprender a dizer “não” da boca para fora, como quem ensaia uma técnica de autoajuda. Trata-se de um trabalho profundo de escuta e elaboração, muitas vezes feito no setting terapêutico.

É preciso se perguntar:
– De onde vem esse medo de desapontar?
– Quem me ensinou que eu não posso frustrar ninguém?
– Por que o amor do outro parece depender da minha anulação?

A resposta a essas perguntas não é imediata. Mas a partir delas, o sujeito pode começar a se responsabilizar por sua própria história e desejar de forma mais autêntica.


Conclusão: o “não” como ato de amor

Dizer “não” pode ser, muitas vezes, o maior ato de amor consigo mesmo. É um gesto de maturidade psíquica e de reconhecimento da própria falta do limite, do desejo, do tempo.

Quem aprende a dizer “não” não se torna egoísta, mas inteiro. Capaz de se ofertar ao mundo de forma verdadeira, sem se perder no caminho.

Se esse texto fez sentido para você, talvez seja hora de escutar com mais cuidado o que o seu corpo, suas emoções e seus silêncios estão tentando dizer. Porque, às vezes, a ansiedade é apenas o grito abafado de alguém que não aprendeu a se escolher.


Gostou deste conteúdo?
Compartilhe com alguém que também precisa aprender a dizer “não”. E se quiser continuar refletindo sobre os dilemas da alma, acompanhe o blog O Divã Aberto. Diariamente, um novo mergulho na psicanálise do cotidiano.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
Este site usa s para garantir que você obtenha a melhor experiência.