"Hoje minha cabeça está com 82 abas abertas sobre assuntos diferentes. Bom dia!"
Essa frase, postada de forma bem-humorada em uma rede social, pode parecer apenas uma analogia leve sobre distração ou acúmulo de pensamentos. Contudo, sob a ótica da psicanálise, ela revela muito mais: um retrato psíquico do sujeito contemporâneo, cada vez mais fragmentado, ansioso e sobrecarregado de conteúdos, estímulos e exigências internas.
O sujeito da modernidade líquida
Na sociedade atual líquida, como define Zygmunt Bauman, somos constantemente bombardeados por informações. A imagem de “82 abas abertas” simboliza bem esse fenômeno: múltiplas tarefas, pensamentos simultâneos, preocupações coexistindo, e a ausência de um foco claro. Não é apenas sobre distração; é sobre um eu que tenta estar presente em diversos lugares ao mesmo tempo e, com isso, sente-se ausente de si.
A angústia da dispersão
Na clínica psicanalítica, escuta-se frequentemente relatos de pessoas que não conseguem "desligar a cabeça". A mente torna-se um espaço hiperativo, como um navegador com dezenas de guias abertas, muitas das quais esquecidas, mas ainda consumindo energia. Essa atividade mental constante está muitas vezes ligada à angústia: algo não simbolizado, não elaborado, que retorna de forma repetitiva, fragmentada e invasiva.
Essas "abas abertas" podem representar conteúdos inconscientes que buscam elaboração: traumas não resolvidos, desejos recalcados, medos e fantasias. Ao invés de elaborá-los, o sujeito contemporâneo tenta administrá-los com produtividade e ocupação. Isso, porém, apenas mascara o conflito.
O eu ideal e a exaustão psíquica
A ideia de estar mentalmente “em mil lugares” também está relacionada ao ideal do eu, conceito freudiano que se refere ao conjunto de exigências internas que o sujeito impõe a si mesmo. O sujeito precisa ser eficaz, informado, conectado, produtivo, e, ainda assim, feliz. Essa pressão constante gera cansaço, ansiedade e até sintomas somáticos. É o corpo falando por uma mente exaurida.
O bom dia que encobre o caos
Interessante notar como o tweet termina com um alegre "bom dia!" e dois emojis cintilantes. Um recurso comum na era das redes sociais: a estética da positividade que mascara a dor psíquica. É o desejo de manter uma aparência de controle, mesmo quando tudo dentro parece em colapso.
A cura pela fala
Na psicanálise, acreditamos que a escuta é o primeiro passo para a reorganização interna. Ao falar, o sujeito pode transformar essas “82 abas” em narrativas com sentido. O que antes era ruído mental pode se tornar elaboração simbólica. A fala cura porque permite ao sujeito sair do automatismo e encontrar sentido no caos.
O humor do post esconde uma realidade que precisa ser olhada com cuidado: o excesso de estímulos mentais é um sintoma do nosso tempo. A psicanálise, com sua escuta atenta, oferece um caminho para que o sujeito feche algumas abas e possa, finalmente, habitar sua própria mente com mais presença e menos angústia.