Na era das redes sociais e da hiper conectividade, é cada vez mais comum ver manifestações como: "Sou antissocial mesmo, não gosto de conversar com quem não conheço. Tem momentos que não gosto de conversar nem com quem eu conheço." À primeira vista, pode parecer apenas uma preferência pessoal ou um traço de personalidade introvertida, mas sob a ótica da psicanálise, essas afirmações podem revelar muito mais sobre os conflitos internos do sujeito.
O sujeito do inconsciente e a defesa contra o outro
Na teoria psicanalítica freudiana, o sujeito é constituído na relação com o Outro, seja esse Outro os pais, a sociedade ou os vínculos afetivos. Evitar o contato com os outros pode, portanto, ser uma manifestação de um mecanismo de defesa inconsciente, como a retração narcísica, que visa proteger o Eu de uma dor emocional mais profunda: rejeição, humilhação, frustração ou sentimentos de inadequação.
A frase “não gosto de conversar com quem não conheço” pode ser interpretada como uma resistência à alteridade. O desconhecido representa o imprevisível, e o contato com ele pode provocar angústia. Lacan, por exemplo, vai além de Freud ao afirmar que “o inconsciente é o discurso do Outro”. Isso significa que, ao evitarmos o outro, também podemos estar evitando entrar em contato com partes de nós mesmos que são desconhecidas ou mal resolvidas.
Quando até o conhecido se torna incômodo
A parte mais reveladora da frase, no entanto, é: "Tem momentos que não gosto de conversar nem com quem eu conheço." Aqui entramos em um território ainda mais delicado. O que pode levar alguém a querer se isolar inclusive daqueles que ama ou confia?
Na psicanálise, o excesso de contato pode funcionar como um espelho que revela aspectos do nosso próprio sofrimento. Conversar com pessoas próximas pode nos colocar diante de expectativas, cobranças ou memórias dolorosas. O desejo de silêncio, então, pode ser uma forma inconsciente de negar o confronto com esses afetos.
Além disso, para muitos sujeitos, falar não é apenas uma forma de comunicação, mas também uma exposição. E, como Freud nos lembra, há conteúdos psíquicos que desejamos manter recalcados. O silêncio pode ser um refúgio, um espaço onde o Eu tenta manter a coesão frente ao caos interno.
Isolamento, melancolia ou proteção?
É importante não "patologizar" imediatamente esse tipo de comportamento. Nem todo desejo de silêncio indica depressão ou fobia social. No entanto, quando esse padrão se torna frequente e gera sofrimento, pode sinalizar estados melancólicos, feridas narcísicas ou até mesmo um Eu fragilizado, que tenta sobreviver evitando interações que demandam energia emocional.
Segundo Freud, o sujeito melancólico se identifica com um objeto perdido (real ou simbólico) e introjeta essa perda como se fosse uma falha pessoal. Isso pode gerar um afastamento do mundo e das relações, como forma de autopunição ou defesa.
O silêncio como linguagem
A psicanálise nos ensina que até o silêncio fala. Ele pode ser grito, luto, proteção ou resistência. Quando alguém diz “não quero conversar”, talvez esteja dizendo: “estou cansado de não ser ouvido de verdade”. Ou ainda: “não sei como me comunicar com meu próprio sofrimento”.
Mais do que rotular esse comportamento como “antissocial”, talvez devêssemos escutá-lo com mais atenção. Porque, para além da frase, pode haver um sujeito tentando se proteger daquilo que ainda não sabe nomear.